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Contraponto: Duas visões da Conferência de Cancún

Resultados além do esperado

Eduardo Baltar*

No último dia da COP-16, a ministra mexicana Patrícia Espinoza e a secretária executiva da COP, Christiana Figuerez, apresentaram formalmente os documentos prévios que sairiam como resultado da Conferência de Cancún. A primeira-ministra mexicana fez questão de ressaltar o fato de que aqueles documentos representavam com transparência tudo o que foi discutido nas últimas duas semanas. Foi aplaudida de pé por mais de três minutos.

Foi um momento de muita emoção para os negociadores e para quem acompanha de perto as negociações e sabe das dificuldades existentes. Contudo, o documento ainda passaria por ajustes dos grupos de negociação que se prolongaram até a madrugada do dia seguinte.

Várias demandas dos países em desenvolvimento foram atendidas, como (1) a criação do Green Climate Fund e seu conjunto de regulamentações, (2) a operacionalização do mecanismo tecnológico e suas regras de operacionalização e (3) o caráter voluntário das metas de redução de emissões dos países em desenvolvimento, dentre outras ações.

O Green Climate Fund será gerido por um conselho de 24 membros, igualmente distribuídos por representantes de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Esses últimos comemoraram a criação do fundo, que terá o Banco Mundial como tesoureiro provisório e fornecerá US$ 100 bilhões anuais para ações de combate à mudança do clima em países desenvolvidos.

O mecanismo tecnológico está sendo estabelecido para proporcionar transferência de tecnologia de países desenvolvidos para nações pobres mais vulneráveis às mudanças climáticas. Os países em desenvolvimento, principalmente as potências emergentes (China, Brasil e Índia) divulgarão inventários de emissões de gases do efeito estufa e posicionamento sobre ações de redução.

O pacote de metas de redução de emissões dos países desenvolvidos ainda não está definido, mas o texto dá orientações sobre o estabelecimento desses objetivos e determina que as discussões devem acabar antes do fim do Protocolo de Kyoto.

Apenas a Bolívia não apoiou o documento. China, EUA, União Europeia, Brasil, Índia e outras importantes nações suportaram o documento e reconheceram o avanço realizado.

Foram dados passos importantes, mas o estabelecimento das metas de redução dos países desenvolvidos é um instrumento-chave para o combate às mudanças do clima.

A negociação continuará em Durban, África do Sul, no próximo ano.

*Eduardo Baltar é diretor da Enerbio Consultoria, responsável por diversos projetos de créditos de carbono e estratégias empresariais de combate à mudança do clima. Criador do Programa Emissão Zero de Carbono, participou da COP-15 e da COP-16 como membro da delegação brasileira


A arrogância de Cancún

Gustavo Esteva*

As discussões de alto nível em Cancún eram nossa última chance de proteger o planeta de nós mesmos. E elas falharam. Mas podemos aprender com o episódio triste: devemos parar de pedir aos governos e às organizações internacionais soluções que eles não querem – e não podem – implementar. E devemos parar de fingir sermos Deus pensando que podemos “consertar” o planeta.

Dezoito anos atrás, a pressão do movimento ambiental obrigou a ONU a convocar a Cúpula da Terra: 120 chefes de Estado, 8 mil funcionários e inúmeros ambientalistas se reuniram no Rio. A conferência, como a Ecologist relatou na época, apenas reforçou a mitologia predominante e destacou os poderosos investimentos feitos trabalhando contra uma solução.

Mas ainda não aprendemos o suficiente. Continuamos olhando para os poderosos para resolver as coisas. A conferência de Kyoto, em 1997, foi um passo tímido na direção certa, mas as promessas nunca foram cumpridas. Este ano, na Conferência do Povo, em Cochabamba (Bolívia), propostas interessantes foram apresentadas, mas Cancún não levou isso em consideração, e o fraco negócio, eventualmente remendado, não conseguiu superar o fracasso do ano passado, em Copenhague.

Enquanto isso, o Fórum Internacional de Justiça Climática, convocado por centenas de organizações de vários países, fez uma declaração alternativa e mais valiosa de Cancún. Com o slogan “Vamos mudar o sistema, não o planeta”, a declaração revelou a verdadeira natureza contraprodutiva das propostas oficiais, que estavam presas no “mercado ambiental”.

Continuar depositando nossa confiança em instituições que esperamos que façam a coisa certa vai contra toda nossa experiência e foca a nossa energia no lugar errado. Todos os governos, mesmo os mais majestosos, são compostos de mortais comuns, presos em labirintos burocráticos e brigando contra interesses que atam mãos, cabeças e ideais.

Precisamos olhar para baixo e para a esquerda, como os zapatistas dizem: para as pessoas, e para o que nós mesmos podemos fazer. Por exemplo, parar de produzir lixo em vez de reciclá-lo. E, em vez de usar veículos poluentes, vamos recuperar a auto-mobilidade, a pé ou em bicicletas. Assim como nos esforçamos para comer e beber de forma sensata, vamos viver nossas vidas de uma maneira diferente.

Se definirmos as questões nesses termos, lidar com elas estará em nossas mãos, não nas mãos daquelas criaturas globais institucionais que nunca farão o que é necessário.

O tempo veio para mudar o sistema, não o planeta. Só depende de nós, não daqueles que ganham status e renda do sistema. Como o escritor brasileiro Leonard Boff observou, ativistas deixaram Cancún muito decepcionados com o resultado, mas estavam determinados a finalmente tomar o controle de toda a questão e a viverem suas vidas de seu modo, não da maneira ditada pelo mercado ou pelo Estado.

The Guardian

*Gustavo Esteva é um ativista mexicano e fundador da Universidade da Terra, em Oaxaca (México)

Matéria publicada no Zero Hora do dia 27/12/2010

Eduardo Baltar
eduardo@grupoecofinance.com.br
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